Como falamos no vídeo sobre Quem foi Santiago de Compostela, nós contamos a história sobre a descoberta das ossadas durante a idade média.
Porém, em mais de dez séculos depois, foram realizadas escavações na catedral em busca das relíquias do apóstolo. Essa é chamada da Segunda descoberta das ossadas.
Mas por que fariam isso? Será que não se tinha certeza que as ossadas estavam ali? Para onde elas teriam ido?
Para entender a história da segunda descoberta das ossadas inicialmente, precisamos nos colocar no contexto da época. Depois de eras com a baixa atratividade no caminho, chamado de período das sombras, com vídeo aqui no canal, quase ninguém fazia o caminho no século XIX. Os locais, em especial portugueses e espanhóis, costumavam fazer o caminho em busca de alguma graça ou penitência ou mesmo em anos santos.
Então em 1855, o papa pio IX faz um chamado (ou um apelo) para que as pessoas voltassem a visitar a catedral.
Contudo, um questionamento pairava no ar, pois muitas pessoas - incluindo teologos - não sabiam mais de fato se as ossadas de Santiago estavam ali. Há textos que dizem que ainda no século XVI, as ossadas foram escondidas - e tão bem escondidas - por conta de um risco de ataque de corsários. Com o tempo, as relíquias foram esquecidas.
Há algumas lendas que falam que as ossadas foram descobertas pela segunda vez por um acaso, o que não parece ser verdade. Uma hipótese bem factível e também documentada é que após o anuncio do papa pio IX, em 1875, um novo arcebispo, Miguel Payá Rico, começou a comandar Compostela, e decidiu realizar um rigoroso estudo arqueológico sobre os restos mortais do Apóstolo Santiago que, segundo a tradição, estavam sepultados sob o altar-mor.
A investigação encontrou em 1879 na verdade um ossário bruto, onde alguns foram perdidos com o passar do tempo e outros divididos em numerosos fragmentos. Sob a direção de dois historiadores, López Ferreiro e Labín Cabello, especialistas conseguiram reconstruir os esqueletos correspondendo ao que seria ao resto do apóstolo apóstolo e seus dois discípulos, e Atanásio.
A dúvida mais polêmica nesse tema é a autenticidade dos restos mortais e do túmulo de Compostela. Há teólogos desde a época e até hoje, sustentam que o apóstolo teria sido enterrado na igreja de Saint-Saturnin, em Toulouse, na França. Outros são defensores da tese de que as relíquias sagradas tenham sido divididas entre as duas igrejas.
Esse é um tema polêmico, pois ao reconstruirmos a história de Santiago (assista ao vídeo acima para entender mais), vemos muitos nós que precisariam ser desatados. No geral, Santiago veio para Espanha pregar o evangelho no século I, anos mais tarde voltou para Jerusalem, onde foi morto. Seu corpo foi transladado por todo o mar mediterrâneo em uma barca conduzida por dois discípulos dele. Ao aportarem na Galícia, enterraram o corpo do apóstolo em terras galegas. Tempo depois, os discípulos também vieram a falecer e segundo a crença, eles também foram enterrados próximos a Santiago, o que significa que outra pessoa ou pessoas deveriam ter feito isso, talvez seguidores. Há então um período de silêncio, sem nenhuma evidência escrita de Santiago ali comprovando isso. Anos passam, povos e reinos são construídos e no século VI começa-se a se mencionar a presença do apóstolo, seus milagres e séculos mais tarde, ossadas foram encontradas ali e atribuídas, sem nenhum estudo arqueológico a Santiago e seus discípulos. A primeira igreja foi construída e começando as peregrinações. E no que conta a lenda que acabamos de falar aqui, depois de mais de 7 séculos as ossadas teriam sido escondidas e somente depois de mais 3 séculos, encontradas.
A verdade é que foram feitas algumas pesquisas e os resultados que os estudos sobre a tumba ofereceram não foram muito conclusivos e contam parte dessa história. A evidência, contudo, aponta para uma única direção: estamos diante de uma tumba de construção romana construída no século I; em seu interior repousam os restos mortais de grande antiguidade de três homens ; Desde o segundo século, houve um possível culto cristão naquela tumba e segundo o estudo, eles foram considerados mártires, sendo um deles, Atanásio, tendo o nome escrito em grego e aramaico.
Porém hipóteses como o túmulo ser atribuído a necrópoles celtas e suevas ou mesmo estar relacionado a contrabando de relíquias, algo comum nos primeiros séculos, não foram descartadas e também poderiam explicar algumas evidências.
Apesar da escavação ter sido feita no século XIX, na realidade nunca se encontraram provas científicas sobre os restos que se conservam debaixo do altar da catedral e a autenticidade dos mesmos foi posta em dúvida em numerosas ocasiões, como por exemplo e entre outros pelo historiador católico Claudio Sánchez Albornoz que escreveu em seu estudo “En los albores del culto jacobeo in Compostellanum”, algo como “No alvorecer do culto jacobino em Compostellanum” o seguinte parecer:
“ | [..] apesar de todos esforços da erudição de ontem e de hoje, não é possível, porém, alegar a favor da presença de Santiago em Espanha e da sua trasladação para ela, uma só notícia remota, clara e autorizada. Um silêncio de mais de seis séculos rodeia a conjetural e inverosímil chegada do apóstolo ao Ocidente, e de um a oito séculos a não menos conjetural e inverosímil traslatio. Só no século VI surgiu entre a cristandade ocidental a lenda da predicação de Santiago em Espanha; mas ela não chegou à Península até finais do século VII. | ” |
— C. Sánchez Albornoz. En los albores del culto jacobeo in Compostellanum 16 (1971), páginas 37– |
A partir de 1879, e mais especificamente com a promulgação da bula Deus Omnipotens, proferida pelo papa Leão XIII em 1884, Santiago voltou a ressoar internacionalmente recuperando seu protagonismo no Ocidente. Desse modo, deu autenticidade às relíquias de Santiago el Mayor, para que as peregrinações ao lugar santo recuperassem força.
A partir de então, as rotas passaram a receber mais peregrinos e anos após anos, tanto ela, quanto as cidades e igrejas passaram por muitas mudanças e melhorias, em boa parte financiada pelo turismo e pelos governos. Se houve uma a estratégia com relação a redescoberta das ossadas do santo, ela havia dado certa.
Se Santiago não está em Compostela, onde ele estaria? E quem estaria enterrado em seu local? Bem, isso fica para outro vídeo.
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