Por Fernando Jácomo,
Ganhar em Overwatch têm sido um momento ímpar. Nas comuns e sequenciais partidas desastrosas, a cura reclama dos DPS, os DPS reclamam dos tanques e os tanques reclamam das curas. Muitas vezes um pouco de comunicação e cordialidade resolveria tudo, mas nem todos consegue entrar no canal, seja por questões técnicas, pessoais (barulho, ambiente compartilhado) ou preguiça - longe de mim julgar isso, mas é aparentemente um fato.
Quando a fala de ódio ultrapassa o respeito? A partida perdida não é uma justificativa para o preconceito. |
Certo dia estava jogando uma partida desse game quando uma dupla de latino-americanos entrou na partida. A partida com meus irmãos do cone-sul se tornou completamente tóxica e eles entravam no canal para xingar e grunir. Num balanço geral, não fui competente suficiente em curar todo mundo (nota pessoal: em minha defesa de m**da, eu era a única cura), os DPS avançavam sem cuidado e os tanques faziam camper (isso mesmo) e ainda por cima em lugares nada estratégicos. Os grunidos irritavam muito mais ainda mais porque já sabia o porquê deles.
Obviamente que foi uma derrota catastrófica. Ao final, enquanto todo mundo provavelmente se denunciava para a Blizzard, recebi uma bela mensagem no privado em minha conta. Digitada em espanhol, ela inicialmente reclamava de minha cura, me chamava de imbecil e mais embaixo na mensagem, o texto seguia com os dizeres: "macaco, macaco, macaco". Completei minha denúncia, chamei-o de racista e bloqueei-o.
(nota pessoal: Não vou entrar aqui na discussão da minha etnia (que é branca), mas esse termo é utilizado fora do país para se direcionar pejorativamente à brasileiros, sejam eles brancos ou pretos. Alguns nos chamam de "republica de macacos". A fala é xenofobica no mínimo, o que também caracteriza um crime)
A coisa era pior - Semanas mais tarde, vi em uma comunidade de Overwatch que a prática era comum, depois vi em outros dois grupos (Fortnite e CS: Go) que a coisa é igual e o pior: mútua! Brasileiros (adultos) se xingavam e também xingavam pessoas oriundas de países com culturas, políticas e realidades diferentes - além de mulheres - como se fosse um colega de recreio na escolinha do bairro na quinta-série. Repito: eram adultos com fotos com os filhos em boa parte dos casos. Meu alerta ligou. Isso não é apenas uma denuncia de banimento, estamos falando de um crime, sem mais, nem menos.
Origem do Problema mas INJUSTIFICÁVEL
"Ah, meus tataravós são italianos. Logo, eu sou italiano" - Não, você não é! |
Os que me conhecem sabem; sou amante de viagens e história. Em paralelo e complementar à isso, sempre critiquei o Brasil por não se achar latino-americano o suficiente - enquanto o brasileiro médio geral branco pensa que tem uma auto-imagem estadunidense ou européia quando na verdade somos mais próximos de bolivianos, paraguaios, chilenos e até venezuelanos, como nação, por exemplo.
Ok, existe uma razão histórica para isso, que resumindo, deriva de nossa colonização. Enquanto tivemos Cabral, os bandeirantes, Dom Pedro I e as capitanias hereditárias, tivemos nos nossos países vizinhos Pizarro assassinando índios, Portales no Chile, Solis na Argentina e mais adiante, Bolívar buscando a descolonização da região Colômbia-Peru-Venezuela. Isso explica a autoimagem européia, que aparece em muitos lugares fora do Brasil, como Uruguai, Argentina e Chile.
Tivemos origens diferentes mas somos bem parecidos - Na grande parte, índios e negros foram mortos e escravizados, tivemos uma colonização oriunda da península Ibérica, lutamos pela independência, somos miscigenados e por fim, muitos sofremos com um regime militar instaurado no século XX. Hoje, todos esses países seguem polarizados entre a esquerda "cirandeira" e o liberalismo barulhento.
Cara, qualquer partida de Overwatch deveria ter sido uma celebração de união entre "hermanos"... mas não foi. Foi uma demonstração de autoimagem européia.. e racista.
MAS... o que pensam da gente é o que nós brasileiros pensamos dos outros
A coisa reverbera fora dos games, obviamente: recentemente próximo a data desse texto, o presidente da Argentina, Alberto Fernández, declarou que os mexicanos teriam vindo dos índios; os brasileiros, da selva; e os argentinos, de barcos que saíram da Europa (ele se retratou depois, pois não faz o menor sentido). fonte - (Nota pessoal: Alguém avisou ele que outro barco europeu carregado de nazistas também veio parar na Argentina e no sul do Brasil? Então..)
Ora, aliado ao fato que em 2019, 55% dos brasileiros eram negros e pardos (fonte), é horrível ler o que o latino-americano - que jogava de Widowmaker naquela toxica partida de Overwatch - me escreveu.
(Nota pessoal: aqui vai um MAS)
Mas...
... Não deveria me espantar.
Em parte, a grande massa média brasileira tem uma visão racista muito similar ao do presidente da Argentina. Porém no caso, esse brasileiro acha que veio da Itália, do Japão, da Alemanha, de Portugal... e tem uma relação racista, por exemplo com relação aos irmãos bolivianos em chamá-los pejorativamente de índios (que não há ônus nenhum em ser índio) e "sevalgens". Sabemos ser piores as vezes.
Desde quando videogame virou política mimimi, agora?
A resposta é fácil, desde que eles permitiram que nós nos digladiássemos em uma arena virtual com pessoas do mundo todo para nos matar virtualmente.
Isso até virou esporte sério e dá muito dinheiro. eSports é esporte (amador ou não) e mais do que isso, as pessoas consideram as partidas online como um futebol no final de semana; com gritos, xingos, cerveja e muita descarga emocional. Até aí, faz parte, mas ser racista, homofóbico e machista aí é não saber jogar. (nota pessoal: É ser c*zão mesmo).
E falando em esporte...
O racismo, a xenofobia, a homofobia e o machismo ainda existem nas quadras, solos, pistas, piscinas e ruas. Isso não sou eu dizendo, mas sim o Comitê Olímpico Internacional (COI) e Brasileiro (COB) que têm regras duras contra o racismo e a exclusão (fonte). Muitas das regras abrangem o eSports, mas ainda há casos acontecendo publicamente e oficialmente. Detalho mais abaixo.
eSports como um esporte - tem limites para tratar o outro |
Aqui, poderia até começando falando de casos do esporte tradicional como jogos contra alguns países da América central nas Olimpíadas ou mesmo a história das ginastas russas - há muito abuso. Não, é preciso - a não ser que você ache que eSport não é Esporte.
Sendo assim, há muitos exemplos, como o caso do Argentino que foi banido do e-sports após imitar macaco para brasileiros em transmissão online de eSports (fonte), Streamers banidos na Twitch por Homofobia e Xenofobia (fonte), de Lucas Tabata que sofreu discriminação étnica e racial por parte de torcedores argentinos após perder para Matías Bonanno no Fifa 2021 (fonte), do brasileiro do NTX que foi banido após fazer comentário racistas (fonte) e até da campanha #stopAsianHate que surgiu nas ruas e parou no mundo dos games. [atualização: no dia 07 de Julho após a data desse artigo, a Konami cancelou contrato com Griezmann após vídeo rindo de japoneses - fonte]
Galera, em resumo.. é crime! Não tem outro termo para isso!
Solução para "as peladas" no sofá
Contudo, enquanto nos estádios de eSports, os holoftes estão ligados, nas minhas "peladas" no sofá de casa em Overwatch o que se tem apenas é o desejo fair play e como outro pode se cruel sem muita crítica pública, o que temos de saída inicial é a educação.
Não me entenda mal, há várias formas de educar e punição é com certeza uma delas. Mas há outras formas como viajar mais ou ler a respeito. Gosto de soluções pacíficas inicialmente pois exige um exercício maior de reflexão e na minha opinião (de m*rda), evitar casos novos é melhor do que remediar.
Curso Online sobre racismo no esporte |
Chamado para ação (I - Medidas pré-ocorrência do fato) - E juro que procurei por posts mais educativos e até memes. Ainda não tem muito. Sequer tenho voz para iniciar uma thread, mas pelo menos para meus seletos leitores aqui do PMO, achei um ponto de partida. Um curso. Ele é produzido pelo próprio Comitê Olímpico do Brasil (COB) com cooperação da UNESCO, totalmente gratuíto sobre Racismo que se chama "Curso Esporte Antirracista: Todo Mundo Sai Ganhando" e pode ser conferido no link aqui e as inscrições diretamente aqui. (folder do curso pode ser conferido aqui). Vale a pena falar com amigos e com a comunidade sobre a importância.
Chamado para ação (II - Medidas após ocorrência do fato) - Também vale aqui ações duras. No caso de um conhecido fazendo com um terceiro a dica é ser claro com a pessoa quando ela fizer isso com o outro, dizer que o que ela está fazendo é errado e é crime. [Atualização 07-07-21: Não passe pano! Se necessário peça no mínimo uma retratação de seu conhecido. Diante da gravidade, a denúncia será necessária - mas fica aqui em aberto dada a proximidade da pessoa com você]. Se a coisa for contra você, denuncia-la nas ferramentas in game é fundamental. Use sua voz nas redes sociais, na comunidade, com sua família, seu psicólogo e amigos, mesmo sem a altura de um Streamer famoso você terá suporte ao seu lado, que ajuda muito. E o principal: não descarte a hipótese de medidas externas caso fique insustentável - estou falando de polícia e B.O. mesmo! [Atualização em 07-07-21: processo também se enquadra]. Infelizmente só vale caso acontecer no mesmo país, para as pessoas de fora, vale a pena denuncia-la, se der, diretamente para as empresas - ainda não há garantias que funcione, mas não fazer é pior.
E repito: racismo, homofobia, discriminação.. são crimes!
Educação gera educação. E se todo gamer se munir de informações e agir adequadamente, quem sabe assim, na próxima partida de Overwatch, CS:Go, Destiny, Tetris 99 ou etc... as pessoas saibam perder e respeitosamente saibam dar críticas construtivas.
O competitivo do game pode não melhorar e nem as chances de vitória aumentar. Também não vai diminuir o stress e a raiva, mas pelo menos rolou o respeito. É o mínimo!
E se nada disso der certo, é denunciar mesmo e, se possível, formalmente.
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