A Sindrome do Caminho de Santiago :: Lendas e Mitos do Caminho ~ Perdi Meus Óculos

Você conhece a síndrome do Caminho de Santiago? Assista

Em uma certa vez fazendo uma das caminhadas pelo caminho de Santiago me deparei com uma história peculiar: encontramos um peregrino em um albergue que fazia o caminho de volta a pé. Até aí, sem problemas. Ocorre que esse homem não queria pagar pela hospedagem no albergue pois como peregrino não se sentia na obrigação,… estranho… contudo ele definitivamente não tomava banho e desfilava apenas com roupas íntimas pelos cômodos do recinto como refeitórios e dormitórios. Detalhe, mesmo com aquecedor no recinto, a cidade sofria com temperaturas negativas. No geral, ele vivia como clássico andarilho. Um andarilho do caminho. Desprendido de regras sociais e padrões.

E são muitos histórias assim que nos deparamos. Algumas delas tem motivações como fé, misticismo ou mesmo auto-superação.

Porém, em todos esses casos há um aparente desprendimento da realidade social padrão e normativa com um chamado à errância que a psicologia estuda. Isso gera estranheza e pode denotar um problema.

Em 2007, um pesquisador de Burgos divulgou um estudo sobre a síndrome do caminho de Santiago. E esse é o tema do vídeo de hoje.

Esse senhor na foto é Jesús de la Gándara, ele é médico psiquiatra e doutor que em 2007 apresentou em um congresso o que ele chamou de a Síndrome do Caminho de Santiago. Os sintomas da síndrome giravam em torno de crises Ansiedade e até episódios psicóticos que envolvem quem faz o caminho.

De la Gándara estudou 38 casos de pessoas que estavam fazendo a rota jacobina - e aqui vale um detalhe importante, segundo os veículos espanhois, esses 38 casos estudados eram de pessoas que ja estavam manifestando alguns dos sintomas psicológicos mecionados anteriormente e não de pessoas aleatórias realizando o caminho. Essa análise levou em consideração o últimos sete anos e todos eles compartilham três características:

Um forte sentimento de misticismo
Sofrimento por conta do cansaço por ter caminhado muito
Histórico de patologias de saúde mental - ou seja já tinham tido algumas das patologias apresentadas anteriormente

70% dos afetados eram homens e a idade média era de 40 anos. Além dos sintomas mencionados acima, outros que ele encontrou foram

Distúrbios de comportamento,
alucinações,
delírios,
distúrbios emocionais intensos do tipo maníaco
e sensação paranóica.
Menos comuns foram os sintomas depressivos ou derivados do uso de substâncias

Segundo ele, essa síndrome também aparece em outros lugares como nos peregrinos de Jerusalem e a síndrome de Stendhal, de pessoas que ficam saturadas de arte.

No mesmo congresso, De la Gándara descreveu dois casos:

Uma médica de Burgos, que fez o Caminho com outros colegas e quando chegou a Burgos apresentava um comportamento muito estranho, por isso os seus companheiros de viagem pediram ajuda e exigiram internamento psiquiátrico;
E um "viciado em caminhada" que viajou 100.000 quilômetros por vários países e sofreu da síndrome também no auge de Burgos. Vá

O médico chama o caminho de um “Grande Asilo Ambulante”. Isso quer dizer que todo mundo que faz e é apaixonado pelos mistérios do caminho, tem esse problema?

Importante que essa pesquisa foi feita em 2007, período em que o mundo passava por uma realidade bem diferente da nossa atualmente - contudo Não encontrei nenhuma pesquisa adicional do tema somente algumas atualizações e comentários do próprio médico feitas em 2014, mantendo sua pesquisa.

No geral, precisamos fazer uma divisão. Primeiro daquelas pessoas que adquirirem o que chamamos de Identidade Social, daqueles que podem ter realmente alguma patologia.

Também é preciso analisar bem os três gatilhos que la Gandara afirmou, pois no geral estamos falando de misticismo (ou o excesso dele), muito cansaço físico (afetando condições psicológicas) e antecedentes de saúde mental, que pode ser especialmente relevante.

Mas vamos as possíveis origens?

Desde que se tem vestígios dos homens no nosso planeta, o mundo inteiro foi construído sob efeito de migrações, seja por questões climáticas, seja por necessidades exploratórias, seja por guerras ou questões sociais… até hoje povos migram de um ponto A para um ponto B. Há um anseio quase que natural na história em migrar e daí se estabelecer em algum lugar.

Contudo há um extremo, daqueles que migram de forma errante, sem destino. É o caso do andarilho. Há um motivo que fere o sistema padrão de relações sociais. Agora.. seria o peregrino uma espécie de andarilho? Será que o peregrino assume essa errância como um modo de vida mesmo que de forma temporária?

Em 1997, a terapeuta Ana Sharp já dizia em uma reportagem do Globo repórter sobre o peregrino no caminho:

O que é esse sistema que o andarilho e o peregrino quebram?

Segundo o artigo “Errância e Delírio em Andarilhos de Estrada”, os autores do artigo fazem uma relação entre as caminhadas sem destino com o sistema:

“A condição de viver em movimento, a provisoriedade de cada momento do cotidiano, o afastamento de referenciais fixos e estáveis e o distanciamento dos marcos de sua história e origem expõem o andarilho a uma possibilidade de desestabilização total de seu Eu lançando-o na errância psíquica típica dos estados psicóticos”

Mas ai você me diz: o peregrino tem um destino, ele não anda sem um fim? O final dele, como falamos no vídeo de “Onde Acaba o Caminho” será, Santiago, Finisterra ou Muxia. Ele irá retornar para a casa. Aí que entra a identidade social, pois quem faz o caminho deixa de ser um simples turista, ele passa a pertencer a um seleto grupo de … peregrino.

Acordar antes do sol nascer, amarrar as botas, tomar o café da manhã e apenas caminhar e assim, por horas e horas apenas pensar no agora, no dia. Sem sistema, fora do consumismo, sem ter somente ser. Um rito que se repete diariamente, quase que em um mantra e uma meditação que seguem por semanas nas cabeças. Os problemas do dia a dia da vida real parecem cada vez mais distantes. O sistema fica de lado.

A modernidade líquida da contemporaneidade, nos coloca numa época em que a facilidade de movimentação e a incerteza do amanhã povoam o cotidiano das pessoas. O ser humano vive hoje uma condição de desenraizamento sem precedentes que o torna um sujeito circulante, em movimento, seja no espaço geográfico, seja no social e psicológico.

Toda essa possibilidade de mobilidade extrema versus a possibilidade do afastamento da sociedade ditando regras e normas e permite uma eclosão de idéias e delírios que fogem à lógica dominante. E fogem do sistema.

Em uma adição entre esse sentimento mais os ritos do caminho ocorre aqui uma fusão de identidade. Segundo um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Granada - com link na descrição - as identidades pessoais e sociais se fundem, o ser humano passa a ser peregrino. No caminho, ele quase pode viver uma vida franciscana. Segundo a mesma pesquisa, quanto mais o peregrino aderir a todos os rituais, o caminho pode nunca acabar para algumas pessoas.

A fuga do sistema, a perseverança, a possibilidade de ver o mundo com outros olhos, tudo isso são relatos daqueles que fizeram o caminho e participaram dele. Há uma conexão com o eu e com a natureza sem tamanho onde há benefícios psicológicos incríveis ao se fazer o caminho. No geral, você pode voltar mais forte, mais crítico e com um novo ânimo de viver - mesmo tendo vontade de voltar a todo segundo.

Como a terapeuta Anna Sharp comentou anteriormente muitos que voltam acessam essa sensação momentaneamente quando precisam e equilibram suas prioridades nessa ótica. Fugir do sistema pode ser bom, mesmo estando dentro dele.

Mas e quem não consegue ou não quer voltar a realidade do sistema?

E no caso de uma pessoa afundada em doenças e psicopatias? Ela consegue fazer essa volta?

Em uma pessoa afundada no fanatismo religioso ou místico, como fica fazer parte de ritos tão profundos do caminho num dia e no outro voltar para a mesa do escritório?

Esse é o motivo para ficarmos atentos ao levantado pelo médico no início do vídeo… especialmente nós como brasileiros.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), antes da pandemia do COVID-19, o Brasil já era o país mais ansioso do mundo e, também, apresentava a maior incidência de depressão da América Latina, impactando cerca de 12 milhões de pessoas.

Durante a pandemia do COVID-19, o aumento foi de 90%, sem expectativa de redução! No geral, estima-se que quase uma em cada sete pessoas em todo o mundo tem um ou mais transtornos mentais causados por doenças ou por uso de substâncias.

E fica a pergunta: Sera que para essas pessoas, o caminho ao invés de benéfico ele seja prejudicial?

Talvez, esses gatilhos citados por la Gándara no começo do vídeo sejam de fato um risco, dado o mundo moderno.

Em todo o caso, consultar o psicólogo e o psiquiatra tendem a ser tão importantes quanto o ortopedista e o podólogo antes e depois do caminho

Bom como prometi, a primeira dica de hoje é um método incrível para você vencer a Ansiedade e a Depressão. Ele é…consulte-se um psicólogo e um psiquiatra. Sim! Esse mesmo! Galera não tem fórmula mágica, não tem tabelinha para preencher, não tem X passos para vencer a Ansiedade e a Depressão. Elas são doenças e precisam ser tratadas de forma série e com um profissional da área. Cuidado pois há muito charlatanismo oferecendo fórmulas milagrosa. No momento não tem. Fiquem atentos.

Também Há muito casos de pessoas que fazem o caminho e param de tomar a medicação. Não façam isso! E de novo, consultem um psicologo e um psiquiatra, especialmente se você tem algum sintoma de depressão, ansiedade ou qualquer distúrbio mental. Não há vergonha em dizer isso, é natural, faz parte da nossa realidade. Não procurar ajuda é o problema.

Eu procurei ferramentas ou livros complementares que podem ajudar mas há muita fórmula milagrosa. Não caiam nessa. Uma dica segura é o livro da psiquiatra Ana Beatriz Barbosa da Silva, famosa por Mentes Perigosas. No Livro “Mentes Ansiosas: o medo e a ansiedade nossos de cada dia” ela trás alguns exemplos e algumas características sobre a mente dos ansiosos. Super legal para aprender mais sobre a doença.

Também indico a vocês um exercício que pode ajudar, mas que não funciona sozinho se não houver um psicologo junto. Pode parecer um pouco empírico, pois baseia-se na minha experiencia, mas de modo geral durante as minhas terapias foi me recomendado fazer elas e são legais. A primeira é desenho e pintura. Essa é uma atividade que reduz o estresse, melhora a concentração e até da para ganhar um dinheiro extra se você for bom. Mas se você não for bom, não precisa ser profissional, auxiliando nas questões mentais já está de bom tamanho, pode ser um caderno de colorir, fazer caligrafia. De qualquer forma vou deixar o link de 2 cursos online:

O primeiro é um curso básico de pintura em tela super legal, prático e iniciante.

O segundo, e o meu estilo favorito é um curso que explora outras técnicas de realismo como óleo sobre tela, grafite, carvão, giz pastel seco e lápis de cor.

Isso tudo que falei aqui vai ajudar E se você quer fazer o caminho não esqueça do curso do Diego Dávila que temos divulgado. São mais de 200 vídeos do básico ao avançado para auxiliar no treinamento e preparação do caminho de Santiago.

Ah, e clicando nesses links, vocês ajudam o canal.

Nos vemos na próxima e Buen Camino a todos.

Vídeos complementares

Onde acaba o Caminho? - https://www.youtube.com/watch?v=mKq93ymog4I

Fonte do Vídeo

https://www.elconfidencial.com/alma-corazon-vida/2007-09-27/el-camino-de-santiago-es-un-gran-manicomio-ambulante_307122/

https://repositorio.unesp.br/handle/11449/30219

https://www.scielo.br/j/prc/a/GVSBH84tSF7RzbjbwJ63Tgm/?lang=pt&format=pdf

https://www.portalpsicologico.org/articulos/1800-srome-del-camino-de-santiago

https://lamenteesmaravillosa.com/el-camino-de-santiago-y-la-fusion-de-la-identidad/

https://vivasantiagodecompostela.com.br/blog/a-psicologia-do-caminho-de-santiago-de-compostela

http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-82712001000100009