Por Fernando Jácomo,
Ok, não me martirizem pelo título da chamada. Asseguro que isto não é um clickbait e tenho alguns argumentos. Sendo assim vamos do início.
Ainda no traumatizante ano de 2020, a Amazon Prime lançou a continuação do filme "Borat - O Segundo Melhor Repórter do Glorioso País Cazaquistão Viaja à América"de 2006. Seguindo a mesma linha, a continuação - com o título: "Borat: Fita de Cinema Seguinte" - se aproveita das mesmas fórmulas de "pegadinhas"/pranks com personalidades e caricaturas de pessoas nos Estados Unidos.
Enquanto no primeiro filme, Borat (Sacha Baron Cohen) se dedicava ao deboche da sociedade americana como um todo (nunca me esquecerei de Paula Abdul sentada sobre um mexicano), o segundo aborda um tema um pouco mais controverso: o estadunidense no ano de 2020.
O que é o ano de 2020? - Já não é de hoje que o homem vive uma batalha contra os extremos. O escritor e historiador (e marxista), Eric Hobsbawn (1917-2017) já procurava entender esse período. No seu livro "Era dos Extremos: o breve século XX, 1914–1991", o autor, com uma fina ironia, questiona o liberalismo, o período de guerras, entre guerras até a queda da união soviética. O século XX foi marcado por ações e fatos extremistas que foram acompanhados por elites e oligarquias. - ok falei difícil agora, só para dizer que o século XX foi uma zona com um monete de gente maluca em dois extremos e um grupo delas defendendo interesses de um monte de gente maluca e rica.
No ano de 2020 não temos mais Hobsbawn, mas temos Sacha Noam Baron Cohen, interprete de Borat, o repórter do Cazaquistão. Cohen na verdade, é além de ator e comediante, um judeu praticante que formou-se em História pela tradicional Universidade de Cambridge. Sua linha de pesquisa contemplava as raízes dos preconceitos do mundo contemporâneo. Tenho certeza de que Cohen estudou Hobsbawn - e quem sabe Hobsbawn não tenha estudado Borat?
Cohen em um evento nos EUA cantando barbaridades |
Sacha tem um desafio como contexto: a proximidade das eleições estadunidenses, a pandemia do Covid-19, o lockdown, a ascensão da extrema direita no mundo e pessoas altamente conectadas em prol de ideias negacionistas como rejeição ao holocausto, terraplanismo e outras mentiras.
Por que Borat é inteligente? - Existe duas formas de se assistir Borat: uma forma é pelo prazer da comédia e entretenimento onde é totalmente desconfortável e cômico assistir ao personagem aplicando suas "pegadinhas". A segunda forma é crítica: Borat a todo tempo se coloca como um espelho desajustado da extrema direita: é negacionista do Covid-19, alinha-se aos republicanos, é conservador, apoiador dos muros de Trump e se infiltra no meio do americano médio conservador.
Metade dos apoiadores de Trump (e Bolsonaro), se viram representados e sacaneados. Porém outra metade, não entendeu a piada. De fato, alguns pensavam que estavam diante de um fiel representante de suas idéias, batendo palma para o maluco do Borat e sua filha negacionista Tutar Sagdiyev (Maria Bakalova).
Balakova em cena polêmica com Rudy Giuliani |
Falando nela, Balakova faz o papel de Cohen em 2006 e serve como possibilidade de entrar em ambientes sem ser notada (Borat é famoso demais, mas Tutar não). Isso acaba deflagrando a cena mais polêmica do filme com Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York, republicano e conservador. Nela, Giuliani supostamente se prepara para ter relações com a menina em mais uma prank, mas é interrompido por Borat Sacha gritando: "Ela tem apenas 15 anos! Apenas 15 anos!" (Bakalova tem 24 anos, na verdade). Giuliani rapidamente sai correndo com seus seguranças e o climão é gerado.
É preciso entender que Giuliani é o típico homem branco, heterossexual de meia idade, cidadão de bem e de extrema-direita. Usuário recente da famosa hidroxicloroquina (fonte) - que não fornece garantias sobre o Covid-19 - ele também é advogado de Trump e até o fechamento desse artigo, está a frente da luta perdida de tentar comprovar (sem provas) que as eleições americanas de 2020 foram fraudadas (fonte).
Homens e idéias como as de Giuliani e Trump são constantemente ridicularizadas de forma sarcástica, vítimas do humor de Borat e sem os interlocutores do processo sequer perceberem que estão sendo sacaneados (raras exceções que não foram filmadas mas que quase causaram problemas a Cohen). Essa é a inteligência do filme.
2020 sequer será conhecido como o ano dos extremos como Hobsbawn tratou o século XX, mas é uma sátira do que passamos em cem anos onde a elite liberal continua a criar fantasmas como o comunismo destruindo os lares. Para os conservadores, a estrutura da família está em jogo e Borat surge para confundir esses valores - se é que eles existem.
Diferente do primeiro filme onde o sonho americano foi trollado, nesse filme, Borat se veste da imagem do homem conservador no começo do filme (em algumas cenas, quase que literalmente) e de seus valores familiares, porém quando percebe que está perdendo a SUA própria família, ele então aproveita a oportunidade, perdoa seu passado, segura as mãos de sua filha e corre por NY rindo de todo esse contexto.
Agora, só achará graça quem entendeu a piada.
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