Como é desenvolver um jogo de videogame no Brasil? Quais tipos de suportes são necessários? Como é a concorrência? Quais as barreiras? Confira nossa entrevista com o pessoal da QUByte e entenda mais sobre o desenvolvimento de games no Brasil.
O mercado de games no Brasil têm crescido muito nos últimos anos. Hoje, diversas empresas nacionais têm conquistado seu espaço lançando seus jogos que, além de premiados, acabam caindo nas graças dos críticos e da comunidade. Tal movimento têm chamado a atenção de investidores para um mercado em potencial.
Aproveitamos a oportunidade para entrevistar a QUByte Interactive - empresa por trás de diversos ports e do jogo 99 Vidas (da equipe do podcast homônimo). Por e-mail, falamos com Marcel Bernardi, um dos sócios da empresa que forneceu diversas informações sobre o mercado de games no Brasil e falou um pouco dos bastidores do desenvolvimento de alguns de seus jogos.
Se você é um curioso por desenvolvimentos de jogos, tem planos de construir o próprio jogo ou apenas adora videogames, confira nossa entrevista. Ela poderá dar uma visão bem ampla de como funciona esse mercado e todas as suas possibilidades.
Como era a vida antes do 99 Vidas?
Perdi Meus Óculos: Primeiramente obrigado por ceder o espaço para conhecermos mais a QUByte e o mercado de jogos no Brasil. Gostaria de iniciar a conversa perguntando da empresa. Sei que vocês começaram com o modelo em meados de 2006 em um projeto de pós-graduação e em 2009 com o início do desenvolvimento de jogos sob a marca QUByte Interactive. Um dos grandes carros-chefe da empresa hoje, é o game 99 vidas de 2016, porém há muita história antes disso. Como foi esse período na empresa? Quais jogos estavam produzindo?
Bernardi: A QUByte se iniciou com três sócios em um curso de Pós-Graduação em Jogos como mencionado. Em 2009 ela era uma afiliada de uma empresa americana chamada Graffiti e possuíamos o mesmo nome da empresa-mãe, ou seja Graffiti Brasil. Nesse período, eram feitos apenas ports de jogos ja existentes, onde os produzíamos principalmente para o console Wii da Nintendo. Em 2010 foi decidido dar um grande passo e produzir os nossos próprios jogos, usando a Graffiti americana como publicadora. Foi neste período (início de 2010) que me juntei à equipe. Começamos a produzir um jogo de slot car - que foi o projeto de conclusão de curso da pós-graduação dos 3 sócios originais - para as plataformas mobile. Decidimos isso pois vimos a grande ajuda que era ter uma engine na produção, no caso a Unity3D. Um rápido protótipo foi feito e testes nos aparelhos nos deixaram bem confiantes. Lançamos o HTR High Tech Racing em 2010 para iOS e Android. Tivemos uma vantagem, pois no momento em que lançamos o jogo para iPhone, foi lançada a primeira versão do iPad, e como estávamos utilizando a Unity3D, fazer uma versão foi relativamente mais fácil, assim entrando em uma das primeiras levas de jogos para iPad.
Um grande game do Arcade vem vindo aí
Perdi Meus Óculos: Vi recentemente que a marca conseguiu os direitos do game VASARA da Visco Corporation. Como está sendo essa fase de produção do HD Collection do jogo? Pode nos dizer um pouco como foi esse acordo?
Bernardi: Um jogo como Vasara é um grande desafio de produção, primeiro por ser um jogo antigo de arcade, que possui outro tipo de linguagem de programação, ele também possui uma base de fãs bem grande que deseja relembrar e jogar com gráficos novos. Estamos em uma parte do processo bem delicada, pois a Visco não possui os assets originais do jogo, logo estamos tendo que extrair tudo das Builds que eles nos forneceram. Ao mesmo tempo, temos que recriar os mesmos assets em alta resolução, imaginando e criando os detalhes que não são possíveis de se ver nas versões originais. Estamos experimentando também várias coisas no estilo de shoot’em up para entregar elementos novos que os jogadores devem gostar.
Como falei antes, o inicio da empresa foi na área de portings, logo sempre estamos em contato com empresas que acreditamos que podem dar um bom negócio neste quesito. O Vasara foi um arcade que repercutiu muito bem no Japão, logo, acreditamos que pode repercutir positivamente de novo.
99 Vidas - Uma grande parceria
Perdi Meus Óculos: Temos que falar do 99 vidas, o game que arrecadou mais de 100 mil reais no Catarse. Como foi a experiência de trabalhar nesse projeto?
Bernardi: O Gênero de beat’en up foi algo que sempre quisemos fazer, quando um dos sócios ouviu alguns dos podcasts, logo imaginamos que os contos que eles mostravam poderiam dar um jogo bacana. Não demorou muito e entramos em contato com o grupo do 99 Vidas para mostrar a idéia. Felizmente um deles adorou a proposta e de lá pra cá criamos uma relação muito bacana com este membro para o projeto. Tivemos liberdade suficiente para criarmos em cima e por parte deles também vieram boas idéias e propostas.
99 Vidas - Diretamente do podcast para as brigas de rua. Disponível em PlayStation Vita, PlayStation 4, Xbox One, Microsoft Windows, PlayStation 3, Linux, Mac OS Classic |
Desenvolvendo jogos no Brasil
Perdi Meus Óculos: Recentemente pudemos conversar com diversos desenvolvedores no Brasil e percebemos que eles utilizam diversos recursos para poder auxiliar no projeto como Catarse, Lei Rouanet, Desenvolve SP, Patreon ou mesmo o suporte/aporte de alguma empresa ou publisher. O 99 vidas contou com o Catarse entretanto vocês utilizam outros recursos? Como vocês veem esses recursos hoje para quem quer desenvolver jogos no Brasil?
Bernardi: Todo e qualquer recurso é extremamente importante para a produção obviamente, ao longo de nossa história, contamos com o Catarse, aporte de empresas, investidores-anjos e claro a rotatividade financeira da própria empresa. Sempre estivemos em contato com empresas estrangeiras para criar bons relacionamentos e negócios, esses contatos nos trouxeram projetos de outsource que sempre foram parte importante de nossa saúde financeira.
"Know-How, este é o fator fundamental para crescermos neste mercado mundial"
Perdi Meus Óculos: Desenvolvimento de games no Brasil é ainda “coisa de maluco” para alguns investidores, porém isso tem mudado em uma velocidade forte nos últimos anos - especialmente com o avanço das tecnologias mobile. Hoje existem diversas escolas que procuram formar pessoas em diversas tecnologias como Unity e Unreal. Ainda assim, temos uma barreira muito forte para que as produções de games fluam com maior força por aqui. Para vocês, o que é o maior impeditivo hoje no mercado de desenvolvedores de jogos?
Bernardi: Know-How, este é o fator fundamental para crescermos neste mercado mundial. Apesar de termos muitas escolas e faculdades presentes no Brasil, os professores que nelas lecionam precisam de um Know-How muito maior para passar experiências de produção e não apenas conhecimento técnico. Os profissionais jovens que vão trabalhar fora do Brasil para depois retornarem estão em infinita vantagem em relação aos que produzem somente aqui no Brasil. Por isso que disse que sempre estamos procurando nos relacionar com empresas de fora, para ganharmos Know-How.
Perdi Meus Óculos: A propósito, qual ferramenta vocês utilizam para desenvolvimento? Por quê?
Bernardi: Principalmente Unity3D como engine da empresa. No início, adotamos a Unity pela facilidade de produzir e distribuir em várias platafromas, com o passar do tempo vimos que não é tão simples assim, mas mesmo assim a facilidade de produção é fundamental. A Unity fez e faz um trabalho fenomenal para auxiliar e popularizar o desenvolvimento. Temos um projeto, o Recruits, que estamos utilizando a Unreal Engine, mas para todos os outros projetos utilizamos a Unity3D.
Fonte: Geração Gamer |
Perdi Meus Óculos: Hoje se um grupo como o 99 Vidas, ou mesmo um empresário, procurá-los para desenvolver um jogo apenas com a idéia de concepção, o que ele precisará fazer (além de ter dinheiro)?
Bernardi: Sinceramente, nada mais que isso. A idéia do produto vai gerar um orçamento, se o empresário ou grupo estiver disposto e tiver condições de pagar o custo do orçamento, ele terá seu produto/jogo. Claro que para gerar o orçamento temos muitas variáveis, como tempo de projeto, plataformas de lançamento, propaganda e tudo mais. Mas o principal é pagar o custo de produção.
"Hoje focamos muito mais nos consoles e PC, devido também a facilidade que empresas como Sony, Microsoft e etc, abriram para desenvolvedores menores no mundo todo"
Celular ou Console? Qual o Custo?
Perdi Meus Óculos: Qual o custo médio de produção de um jogo hoje para consoles e celular? Desses dois, qual vale mais a pena pensando no mercado que temos atualmente no Brasil?
Bernardi Essas duas perguntas são extremamente subjetivas, não podemos nem começar a estimar nem dar uma média, pois são muitas variáveis envolvidas. Tanto para o custo quanto para as plataformas são necessárias muitas avaliações de momento e custo que seriam de grande irresponsabilidade chutá-las aqui sem analisar proposta a proposta individualmente.
Posso dizer que no início da QUByte focamos exclusivamente nas plataformas mobile, pois era muito fácil produzir e colocar na loja, tendo um retorno favorável. Com o tempo vimos que grandes empresas tomaram conta deste mercado, fazendo grandes produtos, mas acima de tudo investindo fortunas em propaganda, o que acabou diminuindo muito o retorno. Claro que o excesso de produtos nas lojas também influenciaram na diminuição do retorno.
Hoje focamos muito mais nos consoles e PC, devido também a facilidade que empresas como Sony, Microsoft e etc, abriram para desenvolvedores menores no mundo todo e também por ser um dos objetivos que todos aqui dentro tivemos desde o começo: fazer jogos para video games.
"O jogador pode comprar o jogo de uma desenvolvedora hoje e um jogo de outra desenvolvedora na semana que vem. Logo o melhor a fazer é conversarmos e trocarmos o tal do Know-How [entre a concorrência]"
E a concorrência?
Perdi Meus Óculos: Tive a oportunidade de falar com a Pipa Studio onde me disseram que possuem um bom relacionamento com a Tap Studios - que na prática são concorrentes deles. Entretanto eles sempre buscam nessas conversas fazer um benchmarking e alinhar melhores práticas de mercado. Em nossa conversa com a Flex Game Studio de Guts, eles nos disseram que há uma grande união no mercado de indies no Brasil apesar da concorrência. Como vocês se relacionam com os outros desenvolvedores? Há muita concorrência no mercado de Indies no Brasil hoje?
Bernardi:A concorrência neste tipo de mercado não é tradicional, isso porque o jogador pode comprar o jogo de uma desenvolvedora hoje e um jogo de outra desenvolvedora na semana que vem. Logo o melhor a fazer é conversarmos e trocarmos o tal do Know-How, como disse anteriormente. Nós da QUByte temos um relacionamento muito saudável com a maioria das outras produtoras, e as que não temos relacionamento nenhum, é apenas por uma falta de oportunidade de nos conhecermos. E mantendo um bom relacionamento, criamos também oportunidades de negócio, um exemplo é que outras desenvolvedoras nos procuram constantemente para fazer portings de seus jogos para plataformas diferentes, isso é muito saudável para ambas as partes.
Polêmica
Perdi Meus Óculos: Precisamos falar de uma polêmica no mundo dos games: microtransações. Como vocês veem isso? Até que ponto um game precisa de uma microtransação na opinião de vocês?
Bernardi: Realmente uma bela polêmica, hehehe. Nós acreditamos que existem certas plataformas, onde as microtransações são fundamentais e até mesmo esperadas, como as plataformas mobile. Isso porque nestas plataformas se criou o hábito de se pagar pouco pelo jogo e então caso haja uma vontade de continuar jogando o cliente vai gastando dinheiro conforme suas necessidades. O problema é que querem trazer essa cultura de microtransações para jogos de console e PC, onde NÃO SE PAGA POUCO pelo jogo em si, mas querem enfiar as transações como parte fundamental do gameplay, nisso nós não acreditamos.
Tanto que jogos que possuem microtransações de sucesso em plataformas como PC, são MMO’s gratuitos ou os que se paga apenas uma vez para se jogar nos servidores oficiais.
Novamente obrigado pela entrevista, se quiserem fazer qualquer consideração final, fiquem a vontade.
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