O que pode parecer engraçado pode também simbolizar uma questão social preocupante para o nosso país.
Fonte: Nacionais.net |
Por Fernando Jácomo:
O experimento
O estudante de jornalismo e colunista da Adrenaline, Mateus Mognon, decidiu testar o processo de criação de uma igreja no Brasil. O objetivo era descobrir o quão difícil (ou fácil) seria criar uma igreja isenta de impostos como é hoje no país. Como bom gamer, Mateus decidiu utilizar como pano de fundo o game Overwatch, em especial utilizando uma piada interna do jogo: o ódio pelo personagem Hanzo.
Lançado em 2016 pela Blizzard, Overwatch é um FPS online no qual jogadores selecionam heróis e, em partidas online em grupos, competem por objetivos diversos. O herói Hanzo, é um jogador no estilo sniper com arco e flechas e, apesar de sua eficácia nos tiros, têm sido muito questionado em partidas classificatórias por algumas limitações técnicas difíceis de serem superadas, especialmente por jogadores novatos - os Noobs como são chamados. O caso gerou até a expressão interna "Main Hanzo" (que significa ter como personagem principal, o Hanzo) para classificar os Noobs
Voltando ao experimento de Mateus, a igreja seria batizada com o nome de Igreja Nacionais de Hanzo onde, segundo afirma: "(a igreja é) uma religião para cultuar o personagem mais odiado do bem-sucedido first person shotter Overwatch" - e completa ironizando: "Hanzo é meu pastor e as flechas não me faltarão".
Mateus afirma que apesar dos benefícios fiscais e imunidade tributária, o processo de abertura da igreja foi mais fácil do que abrir uma empresa. Bastou criar um estatuto, um endereço, cinco amigos, um advogado e, brinca ele, o dinheiro equivalente à um salgado para abrir a igreja.
Ele foi além e dentro do estatuto, colocou questões polêmicas como uma folga obrigatória em uma terça-feira do mês e “ser fonte de distribuição de produtos, meios e materiais com a palavra de Hanzo”.
Por que isso é muito preocupante?
Documento comprovando registro |
Em um Hotsite dentro do site nacionais.net, Mateus explica o porquê de ser fácil criar uma igreja. Desde 2010 mais de 67 mil entidades religiosas foram registradas na Receita Federal. Nos dois primeiros meses de 2017, mais de 700 havia sido criadas.
Estamos em uma situação que vai além do que Hegel dizia: "a religião é o ópio do povo". Estamos diante de um caso de protecionismo estatal e financeiro nunca antes visto talvez desde o poderio da Igreja Católica. O que corrobora são alguns elementos periféricos ao caso de Mateus.
Em 1995, o Jornal Nacional acusou e expôs o famoso caso Edir Macedo, onde o mesmo ensinava a coletar dinheiro de formas nem um pouco morais (imagem: capa da Isto é na época). Hoje, Edir Macedo é sem dúvida o pastor mais rico do Brasil, com diversas filiais de sua igreja no mundo e um templo-sede no valor de 680 milhões de reais que é inspirado no templo de Salomão. Em complemento à esse caso, durante a inauguração do templo em 2013, diversos políticos incluindo a alta-cúpula de diversos partidos incluindo PSDB, PMDB e PT estavam prestigiando o evento/culto. Qual foi o resultado do caso noticiado em 1995?
O que mudou de 1995 para 2013? Por que a imprensa ou os políticos decidiram vista grossa para casos como esse? Por que nosso amigo do estudo, Mateus Mognon, conseguiu abrir uma igreja tão facilmente assim como outros no país?
Se o caso do Edir Macedo foi inocentado, o que impede que novos casos surjam?
A Igreja Nacionais de Hanzo poderia ser mais uma peça de coleta de fiéis e fundos sem nenhum ônus fiscal. Acha absurdo? Segundo o site Melhores do Mundo, atualmente ao redor do globo, existem diversas religiões consideradas estranhas, como por exemplo uma dedicada à Maradona e até aos Jedis de Star Wars. Todos elas com seguidores.
Porém, o que difere o Hanzonismo do Jediismo (lê-se 'Jedaimo') é que este último, ainda está em processo de oficialização por questões regulatórias e ela realmente foi criada com objetivos reais de uma religião, ou seja, diferente da Igreja do Hanzo que era um experimento, a Igreja dos Jedis é puro desejo coletivo de uma religião já em vigor.
Isso quer dizer que uma religião com objetivos reais de uma crença, são muito mais difíceis de serem criadas nos Estados Unidos do que religiões com objetivos experimentais ou criminosos no Brasil. Isso não é somente preocupante, é assustador.
Esse cenário político-religioso abre uma brecha capaz de abrir furos para pessoas mal-intencionadas de cometerem crimes de lavagem de dinheiro, colarinho branco e abuso de poder. Se incluirmos acusações - atualmente esquecidos - como o de Edir Macedo, temos então um Estado que protege o poder religioso absoluto das Igrejas permitindo ser detentoras de fortunas acumulativas e crescentes. Algo visto fortemente na Idade Média, como detalha o site Só História no texto "O poder da Igreja no Mundo Medieval"
Obviamente que não posso, como cidadão comum, julgar os casos como o de Edir Macedo, isso cabe à Justiça. Porém é válido questionar o ambiente ao qual as instituições estão sendo criadas.
Alguns tentariam culpar seus fiéis por permitir esse cenário, porém a História já provou que as pessoas, diante de necessidades diversas (financeiras, pessoais, profissionais ou mentais) buscam as instituições religiosas com o objetivo de terem um apoio. Na maioria das vezes conseguem, entretanto existe um fator psicossocial - que não é o foco desse artigo - que permite que elas doem dinheiro ou recursos pela sua salvação - algo que Lutero criticou firmemente sobre a venda de indulgências da Igreja Católica.
Porém, qual a diferença da venda de indulgências com a venda de porções de terra no céu, dízimo ou alguns ML de água do rio Jordão à preços questionáveis?
O texto de Mateus expôs uma brecha de uma forma irônica e brincalhona - que vão deixar muitos religiosos, cristãos ou simpatizantes emburrados - demonstrando uma espécie de fresta onde já expiamos há muitos anos e já imaginamos como funciona. Há muito poder e dinheiro envolvido em jogo e nem mesmo centenas de anos da História religiosa foram suficientes para aprendermos como resolver o problema.
A solução se concretizará pelo governo e talvez o que possamos fazer seja o mesmo que Mateus fez: despertar o senso crítico nas pessoas em seu meio, no caso dele, no mundo dos games.
Temos diante de nós um problema que politicamente falando é muito mais difícil de resolver do que qualquer partida ranked em Overwatch. E só resolveremos isso observando a História e aprendendo com ela enquanto aprendemos à jogar com o odiado, amado e agora glorificado, Hanzo.
Fernando Jácomo é Analista de Sistemas com formação adicional em Gestão de Negócios. Com experiência como professor técnico hoje é entusiasta em História, Viagens e Cultura Pop possuindo atualmente uma visão centro-esquerda política, mesmo acreditando que isso possa mudar no decorrer dos anos.
Leia os artigos completos de Mateus nos links abaixo
- http://nacionais.net.br/index.php/2017/07/10/igreja-nacionais-de-hanzo-prova-como-e-facil-conseguir-imunidade-tributaria-no-brasil/
- http://adrenaline.uol.com.br/2017/07/10/50416/abrir-uma-igreja-no-brasil-e-tao-facil-que-eu-registrei-uma-religiao-para-overwatch/
Demais Fontes e Citações
- https://www.youtube.com/watch?v=7GjUfltLyEM
- https://misteriosdomundo.org/veja-quais-sao-as-7-religioes-mais-estranhas-do-mundo/
- https://acrediteounao.com/5-religioes-bizarras-existentes-mundo/
- https://en.wikipedia.org/wiki/Jediism
- http://www.sohistoria.com.br/ef2/igreja/
- https://defesadoevangelho.com.br/videos/o-que-foi-reforma-protestante/?gclid=EAIaIQobChMI0pqhheeG1QIVAQeRCh1NMw5mEAAYASAAEgLPJvD_BwE
- http://www.oarquivo.com.br/images/stories/polemica/universal5.jpg
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